domingo, 18 de abril de 2010

SINFONIAS - GRAÇA PEREIRA


Sinfonias

Era uma varanda deitada para o sol-pôr.
Do outro lado da rua, as acácias davam -me os bons -dias. Por detrás delas, num terreno privado, algumas flores tropicais misturavam-se com magotes de papaieiras… sempre tão carregadinhas! Mais ao fundo, uma velha mangueira distribuía a sua sombra nos dias de grande canícula… Quantas vezes, ainda garotos, fizemos piqueniques debaixo dela… Na outra esquina, um vasto terreno com um renque de palmeiras era habitat natural de imensos pássaros que ali pernoitavam… Defronte, o velho Sporting sorvia todo o movimento e algazarra da rua. Ainda estavam longe os tempos de ser entaipado com a modernidade… O sol despedaçava-se nas grandes copas das árvores da rua, fugindo, enquanto a vermelha poalha de luz virava anil e depois subitamente roxa e laranja com esse impalpável toque de cor que só na minha cidade conhecia.


Cresci com aquelas árvores e, de tanto as contemplar na tarde lenta e recolhida, tornaram-se para mim como símbolos de vida. Eram como os sonhos, as ilusões e as dores de uma adolescência. No peito de cada um de nós há um coração moldado pela vida e pelo espaço que nos rodeia.
Mas um dia… os pássaros deixaram de cantar. Ouvia-se apenas o som metálico das máquinas a deitar tudo abaixo. As palmeiras retorcidas no chão erguiam aos céus os seus ramos num pedido inglório, sem conforto. Senti que também haviam cortado as minhas asas.
À noite deixaria de ouvir o canto nostálgico do sacerdote muçulmano que, do alto do minarete da Mesquita, convidava os seus fiéis à oração. Ao passar pelos ramos das palmeiras, o som tornava-se misterioso, quase coado em cada nota.
Do outro lado, quando o dia acordava, rompendo da noite como um rebento de fruto, era o toque dos sinos da Igreja que despertava a fé como um recado de Deus aos seus filhos…


Em cada manhã tudo começava de novo e em cada minuto tal como os frutos, eu amadurecia.
Ao sair para o trabalho chegava-me do meu pequeno jardim o apelo intensamente branco do jasmim coalhado de pequeninas flores brancas enquanto a rainha da noite, que embriagara as horas adormecidas, rescendia ainda no seu perfume a que eu não resistia… Respirar, sorver, respirar… Ali estava encerrada toda a poesia e sedução. Olhava o céu muito azul, as minhas árvores e o meu coração dizia baixinho:
Vou-me ficar de braços estendidos
Com as palmas abertas para os céus
E nas pontas dos dedos os pedidos
Que só murmuro a Deus.


Quando a rua se encheu de prédios altos, ficou uma nesga entre dois deles, pela qual, ao longe, a copa esfiada de uma árvore, me acenava todos os dias.
Poema é símbolo das coisas: das árvores, da minha rua, do meu jardim e da varanda deitada para o sol-pôr…
Que saudades que são as árvores velhas,
E as velhas ruas têm outro acento;
Porque não hei-de então ser como elas
Que têm mais encantos com o tempo?


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